terça-feira, 19 de agosto de 2008

Os pequenos Budas



Tendo há poucas horas acabado de ler um punhado de interessantes artigos acerca da problemática da obesidade infantil nos nossos dias e nos países industrializados, devo admitir que fiquei, de certa forma, alarmada. O que não deixa de ser um facto a admirar, quando todos estamos habituados a ficar alarmados com o que acontece aos respectivos umbigos ( “Se a casa do vizinho for assaltada, bem ... antes a dele que a minha”). É um facto inegável que as nossas crianças estão cada vez mais gordas. Que comem cada vez pior, que recorrem cada vez mais à comida de plástico, que consomem cada vez mais acúcares e gorduras saturadas, e que a própria ingestão calórica tem vindo a aumentar. Em Portugal estima-se que o número de crianças na chamada primeira infância com excesso de peso ronde os 31,5%, e que o número de crianças obesas atinja já os 10%. Ora, isto é, deveras, preocupante, porque para que uma criança seja considerada obesa, ou seja, para que o seu Índice de massa corporal exceda os 30Kg/m2, ela tem que ser, de facto, uma bolinha ambulante. A ideia que eu sempre tive é a de estar perante um fenómeno particularmente incidente nos meios rurais, onde há, de um modo geral, uma preocupação menos acentuada em relação aos hábitos alimentares e ao exercício físico, mas cada vez mais essa ideia tem vindo a perder força. Basta estabelecer contacto com os dois lados da questão. Por um lado, cada vez existem mais crianças gordas nos meios urbanos. O Ministério da Educação bem estabeleceu um controlo mais rigoroso do tipo de produtos que se encontram à disposição nas máquinas de vendas automáticas das escolas, mas isso de pouco adianta quando, nos bares das próprias escolas, se continuam a vender bolos recheados com cremes e bolicaos. Além disso, à porta das escolas existem sempre alternativas bem açucaradas que acabam, muitas vezes, por substituir o almoço na cantina da escola (falo por experiência própria, que também já fui criança). Por outro lado, a ruralidade já não é desculpa para desleixos. Na maior parte das vilas, e mesmo em algumas aldeias, existem ginásios frequentados por grande parte da população, além do que os cidadãos mais jovens e mais informados no que respeita aos hábitos alimentares fazem questão de incentivar os mais velhos, no próprio seio familiar, à adopção de opções de vida mais saudáveis, quer no que respeita à alimentação, quer ao exercício físico. Estamos perante um problema de raíz. Eu acredito que grande parte das questões problemáticas da nossa sociedade assenta na educação. Na má-educação, na falta de educação e na inadequada educação que as nossas crianças muitas vezes recebem. Cabe aos pais estarem atentos, como agentes educadores preponderantes que são. Porque não é na creche ou na escola primária que as crianças aprendem a comer mal. A permissividade é uma falha educativa que pode levar a consequências graves. A obesidade carrega nas costas duas vertentes igualmente importantes de uma mesma problemática: a saúde, acima de tudo. Pela primeira vez na história, a incidência da diabetes tipo 2 (aquela que, de uma forma generalizada, tem a ver com os maus hábitos de vida) ultrapassou a da diabetes tipo 1 na primeira infância. E se pensarmos nas consequências de uma diabetes a médio e a longo prazo num adulto, imagine-se só o que pode fazer numa criança, que tem toda uma vida pela frente. Já para não falar nos problemas cardiovasculares e nas diversas formas de cancro que estão associados ao excesso de peso. No outro gume da navalha está o impacto psicológico que a obesidade tem numa criança que se vê ridicularizada, diariamente, pelos outros miúdos da escola, numa altura da vida particularmente sensível, durante a qual são aprendidos e interiorizados os factores respeitantes à socialização e ao relacionamento interpessoal. Esta aprendizagem vai-se reflectir na personalidade e comportamento futuros da criança, enquanto adulto. As consequências podem ser devastadoras, e é imprevisível saber como uma criança, sem acompanhamento psicológico, acaba por lidar com esta forma de pressão social. Dependerá da sua resiliência psicológica, ou seja, do quão espessa é a carapaça que ela consegue construir para se isolar dos impactos diários do meio social em que está inserida. Algumas crianças convertem-se em adultos retraídos, introvertidos, com dificuldades de adaptação social ou mesmo distúrbios de personalidade (e a personalidade, uma vez formada, é dificilmente moldável, e dela apenas podemos modificar, a muito custo, pequenos pormenores que não chegam, muitas vezes, para fazer a diferença). Outras, como forma de auto-protecção, convertem-se em adolescentes violentos e agressivos. Por alguma razão estão a ser realizados, actualmente, nos Estados Unidos, estudos na tentativa de encontrar um cruzamento entre o aumento da incidência de obesidade infantil e o fenómeno de bullying. E por falar nos Estados Unidos, um dado que me parece deveras curioso ... Só depois de ler estes artigos é que fiquei a saber que os obesos não são nada ecológicos. Até poderia ter graça, mas no fundo não tem graça nenhuma. Passo a explicar: se os obesos deste planeta acabassem por perder peso em excesso, agravariam o efeito de estufa devido à libertação de mais de 10 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono para a atmosfera. Isto relembra-me que os Estados Unidos recusaram aderir ao protocolo de Quioto, ainda que sejam o principal país responsável pelo efeito de estufa. Na verdade, depois de ler acerca disto,eu, que era muito crítica em relação à posição assumida pelo senhor Bush, até que passei a ser mais tolerante e compreensiva com o povo americano. Sendo o país, a nível mundial, com maior número de obesos, na verdade, de forma indirecta, até estão a contribuir para a diminuição das emissões de dióxido de carbono. Não chega ... mas já é um contributo!

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