sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

(Quase)


Há momentos na nossa vida, instantes breves e de uma concreta especificidade nos quais nos apercebemos que as coisas mudaram, que a partir de então se vira uma página para iniciar a leitura da seguinte. Encerra-se de vez uma etapa que se andava já a arrastar, desprovida de grande sentido, e fica-se despida de emoções e reacções, assim, uma tela quase em branco, uma tábua quase rasa. É um tépido desalento que nos aquece em fogo lento. É uma violenta forma de auto-exposição, um embate de frente com a nossa imagem nua no espelho, com todos os pudores e vergonhas que ao acto assistem. Desprovidos de alvos a quem apontar o dedo e de bodes espiatórios que justifiquem os nossos actos ou atitudes mais ou menos despropositadas. Um fosso emocional que antecede o trilhar de um novo caminho que, intencionalmente, desejámos que fosse diferente. Ninguém disse que as mudanças eram fáceis. Raramente o são. E magoam mesmo quando temos a presente consciência de que o que aí vem, tendencialmente, só pode ser melhor. Só pode ser melhor. Mas uma página (quase) em branco será sempre uma página (quase) em branco. E é sofregamente que se encara o vazio interior, já que por mais que olhemos atentamente como quem fixa um estereograma não existe lá nada. E recomeçar de um novo ponto de partida, com todos os medos e ansiedades de quem parte às cegas e ausente de grande sentido de orientação, é de um colossal desgaste. A mim, pelo menos, deixa-me sempre esgotada ao fim de mais um dia. É desta forma áspera e abrupta que, mesmo depois de adultos, continuamos em processo activo de crescimento, virando página após página após página ...
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